Edu
Recebi esta poesia da Vilmé recentemente. Estava guardada com ela, sob a promessa de que só seria entregue à mim e a minha irmã, depois da morte do meu pai. Fiquei muito emocionado e achei que deveria colocar aqui, para compartilhar com aqueles que eu gosto.

Ah, como eu gostaria de voltar para casa como voltam os velhos marinheiros... O corpo coberto de sal... A pele toda queimada... Mil estórias de naufrágios... Temporais... E achar em vocês dois o porto seguro onde atracar meu barco rôto, com casco cheio de rombos, velas rasgadas, e uma enorme esperança no peito... Os cabelos desgrenhados, barba branca, um papagaio no ombro e no bolso, o mapa do mais rico tesouro do mundo - o amor dos homens.

Como eu gostaria de chegar como chegam os guerreiros cansados... O corpo coberto de cicatrizes e ainda cheirando ao suor da última batalha. E no alforje, o fruto das vitórias alcançadas, representado por prequenas pedras com o brilho das estrelas que tanto gostas, filha minha e cordões do mais puor ouro, como os teus cabelos meu filho... E contar das minhas aventuras.

Gostaria de chegar como a brisa fresca das tardes de verão. Mansa. E o sopro leve, passando pela velha flauta esquecida, tiraria o som que atrairia todas as borboletas do mundo. E elas entrariam por nossa porta sempre aberta, e numa revoada incrível formariam o mosaico mais lindo para enfeitar suas noites.

Gostariade chegar como chegam os grandes viajantes. O corpo coberto de pó das estradas da vida. Numa das mãos, um cajado feito com a madeira da árvora mais distante. Na outra, um pedaço de arco-íris, colhido não sei onde, durante tão longa caminhada. E contaria das terras que visitei.

Gostaria de chegar como chega um circo na cidade. Primeiro a banda. Seus tambores e trombetas anunciariam a surpresa de estranhos bichos até agora desconhecidos. Depois, eu, o palhaço, com o enorme sorriso das roupas folgadas, tiraria do meu chapéu côco os mais velos sonhos, que lhes daria.

Gostaria de chegar como a primeira namorada. Ou o primeiro namorado. Trazendo para vocês o primeiro contato de corpo e o arrepio do primeiro beijo. E caminharíamos juntos de mãos dadas, os olhos brilhando e o peito cheio de amor.

Gostaria de chegar para vocês como vocês chegaram para mim. O portador da mais linda notícia do mundo - AINDA HÁ ESPERANÇA.

Mas, meus filhos, eu chego como todos os pais... Tarde... Cansado...
Maltratado. A viola no saco, os versos no bolso, uma terrível decepção pela incompreensão dos homens e os ombros curvados pelas frustrações do dia-a-dia.

Perdoem-me, meus filhos.
mesmo assim eu os amo.




Marco Antonio Porchat de Assis Oliveira (1945-2004)
Escrito em 1975.
6 Responses
  1. Paulo C. Says:

    Edu
    Chorei! Isso não é comentário! Chorei mesmo. Chorei por ele! Chorei por mim! Chorei pelo meu pai! Chorei por todos os pais que tentam ser melhores pais, super-pais, super-homens, poderosos, oniscientes, onipotentes, deuses. Mas, esbarram na sua limitada humanidade. Eu também queria ser um pai melhor. Mas sou só o que sou e muitas vezes também tenho vontade de pedir perdão aos meus filhos, por ser tão medíocre, por ser tão pequeno, por precisar mais da proteção deles do eles precisam da minha.
    Seu pai era um grande homem. Eu, pai de dois, sei o que ele diz. Um homem (ou uma mulher) mostram a sua sensibilidade e grandeza quando conseguem sintetizar o sentimento do mundo. O texto do seu pai é universal.
    Há uma canção linda do Ivan Lins, com letra do Victor Martins, chamada "Aos nossos filhos", que começa com estes versos:

    "Perdoem a cara amarrada
    Perdoem a falta de abraço
    Perdodem a falta de espaço
    Os dias eram assim"


    Seu pai, além de muitas outras coisas, deixou esse verdadeiro tesouro - esta carta - que, como ele mesmo diz, é "o mapa do mais rico tesouro do mundo - o amor dos homens".
    E deixou pra você um tesouro também muito rico: a sensibilidade e o talento dele.

    Espero, um dia, poder escrever uma carta tão linda e tão verdadeira aos meus filhos. E espero que eles me perdoem...


  2. Anonymous Says:

    Muito lindo... Acho que neste caso, as palavras valem tanto quanto ações... na realidade, as palavras SÃO o verbo em ação. E por isso deixam o legado, que vcs dois vão absorver conforme suas experiências individuais... De qualquer forma, dá para sentir que estas vieram do fundo da alma mesmo e acho que é o destino que terão dentro de vcs! E que sejam positivas quando sentindas e lembradas, pois são de um pai que partiu e que apesar de tudo demonstra desta maneira o amor que tinha por vcs.


  3. Marina Says:

    Edu, obrigada pela visita. Fico feliz que vc gostou do Le Bal. Vou passar sempre aqui para os cafezinhos e para trocar figurinhas, OK?
    Abraços.


  4. Edu Says:

    Paulo,

    Teus filhos terão orgulho do pai que tem. Tenho certeza. Alguém que escreve tão lindamente (mesmo de amarguras, algumas vezes) só pode ser motivo de felicidade. Demorei um pouco para dar o verdadeiro valor à ele e às coisas que escrevia e seu modo de pensar e agir. Mas antes tarde do que nunca, né ?

    Abraços do Edu
    --
    Dê, meu querido.

    Você que me acompanha nas agruras e na felicidade, sabe como minha personalidade foi influenciada por ele. Querendo ou não. E desde sempre te agradeço a paciência.

    :o*

    Edu
    --
    Marina,

    Volte sempre ! em breve teremos uma maquina de café espresso. Vai ser uma delícia.
    rs.

    Abraços


  5. Anonymous Says:

    Dudu!!!

    Que linda essa carta.
    Sabia que me emocionaria!
    A sensibilidade do seu pai sempre esteve à mostra, escancarada para quem chegasse bem perto e pudesse ver.
    Por isso tanta defesa e tanta dor.
    A delicadeza nos expõe e machuca...

    Mas é ela também que torna você e seu pai tão próximos e belos.


  6. Anonymous Says:

    As pessoas têm estrelas que não são as mesmas.
    Para uns, que viajam,as estrelas são guias.
    Para outros, elas não passam de pequenas luzes.
    Para outros, os sábios, são problemas.
    Para o meu negociante, eram ouro.
    Mas todas essas estrelas se calam.

    Tu porém terás estrelas como ninguém ...
    quando olhares o céu de noite,
    porque habitarei uma delas,
    porque numa delas estarei rindo,
    então será como se todas as estrelas te rissem!
    E tu terás estrelas que sabem rir!

    (Antoine de Saint-Exupéry )